
Você sabe mesmo ler uma pesquisa de intenção de Votos?
No ano de 2024 foram realizadas, em diversas cidades pequenas, pesquisas de intenção de votos e algumas delas tiveram resultados desastrosos. Esse texto discute as metodologias e processos dessas pesquisas do ponto de vista do leitor.
Diversas cidades pequenas tiveram, pela primeira vez, pesquisas de intenção de votos sendo realizadas. Esse cenário, até pouco tempo, era exclusivo das grandes capitais, principalmente pelo preço das pesquisas: a última rodada promovida pela Quaest, em Goiânia, registrada no dia 29/09/2024, foi contratada pelo valor de R$ 83.667,00 pela TV Anhanguera [1]. A escrita desse texto foi motivada por uma postagem de uma dessas páginas de Instagram, que atuam como jornal em cidades pequenas, noticiando que pesquisas que apontavam para a vitória de uma coligação eram fraudadas.
Pensando no caso da grande exurrada de pesquisas, será que você sabe ler uma pesquisa de intenção de votos e interpretar o que elas querem dizer?
Votos Válidos ou Votos Totais
Um dos primeiros pontos que é preciso levar em consideração é que a divulgação dos resultados do TSE são feitos em votos válidos, enquanto que as pesquisas trazem os votos totais. Os votos válidos são aqueles que foram dados a um determinado candidato, desconsiderando, dessa forma, os brancos e nulos [2].
Assim, para comparar os resultados de uma eleição, divulgados pelo TSE, e os resultados de uma pesquisa, precisamos fazer alguns cálculos matemáticos.
O Exemplo Real
Na imagem que apresentava a "fraude" trazia, em seu fundo, abaixo de um degradê preto e transparente, os resultados de uma pesquisa com 45,42% das intenções de voto para um dos candidatos (chamado aqui de A) e 43,35% para o outro (aqui chamado de B). A imagem abaixo representa esse cenário (sem os dados do candidato e cidade):

Considere a soma dos votos: 45,42% + 43,35% = 88,77% dos votos válidos. Assim, temos 11,23% de votos brancos e nulos somados. Não dispomos, aqui, dos dados reais, então consideremos metade de brancos e metade de nulos e, ainda, como a margem de erros é de 4% para mais ou para menos, esse número pode ser até 8% maior (+4% dos brancos e +4% dos nulos) ou 8% menor (-4% dos brancos e -4% dos nulos). Desse modo, considerando a pesquisa, os brancos e nulos podem ser de 3,23% a 15,23%. O valor correto foi de 4,71%, conforme a imagem abaixo [3].

Os brancos e nulos estão, conforme vimos, perfeitamente dentro da margem de erro do intervalo de confiança da pesquisa. Para tratarmos dos votos aos candidatos, precisamos transformar os dados do resultado final de votos válidos para votos totais. Os resultados, no site de divulgação do TSE são os da imagem abaixo [3].

Obtendo novas porcentagens utilizando regras de três (56,08% sobre os votos válidos equivalem a X% dos votos totais), obtemos que o candidato B obteve 53.43% dos votos totais. Além disso, candidato A, obteve 41,85% dos votos totais.
Voltando para a pesquisa, onde candidato A tinha 45,42% das intenções de votos, com 4% de margem de erros, podemos dizer que o candidato A deveria ter entre 41,42% e 49,42% (4% para menos ou para mais). Pode parecer um pouco estranho, mas o número real, 41,85% está perfeitamente contido dentro do intervalo da margem de erros. E, como é chamado nos grandes jornais, os dois candidatos estavam em uma zona de empate técnico.
A partir da pesquisa, o candidato B deveria ter entre 39,35% e 48,35% dos votos totais. O resultado real extrapolou a margem de erros da pesquisa em 5,08%.
Então Aconteceu Fraude na Pesquisa?
Na realidade, não necessariamente. Veja que apenas uma das métricas medidas, de um total de quatro métricas, fugiu da margem de erros. A realidade é que o intervalo de confiança diz que a pesquisa tem uma confiabilidade de 95% e isso quer dizer que existe uma probabilidade de 95% da pesquisa retratar a realidade. Mas isso não quer dizer que não aconteça de que alguma das métricas deem errado (de modo simplista, que a pesquisa caia nos 5%).
Pensando em um número grande de pesquisas, num mundo ideal, em 95% delas os resultados corresponderiam perfeitamente a margem de erros e nos outros 5% poderiam acontecer falhas (que não precisam ser falhas grandes).
Referências
- [1] Tribunal Superior Eleitoral. Pesqele. 2024. Disponível em: pesqele-divulgacao.tse.jus.br. Acesso em: 8 de out. de 2024.
- [2] Tribunal Superior Eleitoral. Glossário. Termos iniciados com a letra V. 2024. Disponível em: www.tse.jus.br/servicos-eleitorais/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-v. Acesso em: 8 de out. de 2024.
- [3] Tribunal Superior Eleitoral. Divulgação de Resultados. 2024. Disponível em: resultados.tse.jus.br. Acesso em: 8 de out. de 2024.